Saturday, December 11, 2010



"...onde o fim da tarde é lilás, onde o mar arrebenta em mim um lamento de tantos ais..."

Foi uma tarde que se derramava pelas margens do tempo e fundia azuis de fora e de dentro. Nós, navegantes das ondas sonoras do corpo e da cidade extraviada do caos cotidiano. Não havia maquiagem, a face das esquinas e suas meninas era algo que continuava exalando um cheiro ‘gregoriano’ e rasgava a sonolência da vida pacata demais, mas tudo ardia naquele instante tão grande derrapando entre igrejas, curvas e ladeiras , e tudo cabia ali , uma imensa tela abstrata, onde podíamos pintar o mundo, pendurando uma rede sobre a dor que atravessava os pés do humano sobrevivente.

E, então, os olhos se enchiam de um espanto cheio de purpurina, diante daquela baía que já não era mais só de todos os santos, era nossa, era o nosso sangue na oferenda da tarde ao eterno anoitecer, que já tingia o céu, desenhando uma lua que cortava a noite em retalhos de sonhos costurados no cetim das estrelas, como uma cimitarra a golpear o universo, eliminando qualquer coisa que não fosse bonita e grande e que não sangrasse azul, como aquela nossa vontade de ser passarinho e ganhar o mundo, sem apegos, porém com a certeza de ter tocado o amor pela primeira vez...Um laço feito de vento, daqueles que sopram a vida para além de qualquer limite. E esse amor não era shakespeareano, não, ele era leve e tinha gosto de brisa...aquela brisa marinha que nunca mais desgrudaria do nosso paladar, depois de ter bebido o mar daquela tarde roubada numa curva de um dia que foi difícil amanhecer, e, depois, tornou-se impossível dormir, pois não queríamos partir...

Nenhum sonho seria maior do que aquele instante imenso vivido ...E os olhos não piscavam
como que para não perder absolutamente nada daquilo tudo que acontecia no sonoro silêncio da viagem ao coração...

(RaiBlue)

1 comment:

IVANCEZAR said...

Prosa poética com tua marca registrada. Prazer reencontrar-te. Bjs