Monday, March 30, 2009

Vermelh(ares)...



Era um fim de tarde vermelho, num planeta vermelho que no zoom
dos meus olhos se expandia. Havia uma certa sensualidade parada, sem vento que soprasse para longe o outro lado dessa cor, as nuances perigosas da guerra, do sangue, da dor.Estavam todos os tons misturados no raio da minha visão, uma circunferência que parecia caber tudo. Eu carregava o peso do mundo nos olhos, que traziam, por dentro do seu verde, os vermelhos de fora e aqueles
que já trouxera comigo, a vida ziguezagueando na corrente sanguínea.

Tentava fugir, fechando-os, mas não adiantava. Uma vez enxergada a vida como ela é, não tem mais jeito. A secura das imagens, retidas por dentro, retiravam dos olhos qualquer umidade, não havia mais perplexidade, eles pareciam hipnotizados por aquilo que se chamava de normal, comum. Era uma cegueira necessária para que eu sobrevivesse... Enxergar doía tanto que me paralisava.

E assim, cansados de ver, vamos nos acomodando dentro desse raio
de visão sem arriscar o salto. A vida parada como aquele instante rubro que não passava. Não era nem dia nem noite, indefinível como eu. Um vazio de significados, quando se está diante do pleno. E aquele vermelho era pleno em sua secura, não havia sede de nada. Como eu não precisava dizer, o vermelho por dentro se mantinha numa temperatura em equilíbrio com o de fora, sem nenhuma ebulição, ambos secos e frios, quase nevando dentro dos meus olhos. Não havia sede nem convulsões. A falta de febre estava me matando sorrateiramente, nada apontava a inflamação dessa secura, nenhum sinal aparente da minha iminente morte. Nenhuma chuva que molhasse os meus olhos e fizesse escorrer este vermelho seco e devolvesse os movimentos às minhas pálpebras, asas paralisadas no instante em que fiquei retida ali, dentro daquele poente que mais parecia um imenso coágulo prestes a explodir!

O ar seco e áspero amordaçava os sentidos para depois arranhá-los, numa tortura silenciosa, até que eu me tornasse seca também, e, assim, os olhos, quiçá, parassem de ver, pois se a alma cansasse, talvez a imagem secasse e não chegasse à retina ou,quiçá, mesmo que eles vissem, ela endurecesse por dentro.O poente cor de sangue se pondo na veia, coagulando e bloqueando os fluxos,as saídas...Estava presa dentro de minha própria escuridão.

De repente, no meio daquele silêncio que contornava os últimos momentos, um relâmpago rasgou o céu vermelho e uma trovoada conseguiu estremecer o deserto fora e dentro de mim, alguma coisa lá dentro queria chover, queria liquefazer aquela sólida secura que pairava no ar e em minhas veias... Já fazia tempo que não sentia o sangue correr, só haviam nódulos de sentimentos reprimidos que impediam o fluxo de qualquer emoção nova...

Ainda estava imóvel, mas começara a haver uns tremores nas pálpebras, e alguma coisa parecia querer saltar da órbita! Lentamente o vermelho começara a se dissolver...a escorrer...
A chuva molhara o meu deserto e o seu seco vermelho.
A umidade voltara, e, finalmente, um gosto de saliva na boca... Alguma coisa queria falar ou talvez gritar, nem sei, só sei que era vermelha, mas agora era quente e úmida...

O coagulado poente foi se dissolvendo, atravessou as artérias e saiu pela boca... As palavras eram raios que saiam da língua extasiada e rubra...e o desejo era um sol nascendo dos olhos molhados...

O deserto atravessou a noite e Zeus trouxe de volta a luz, a umidade do ar e das palavras, que agora dançavam líquidas
e vermelhas, como essa alvorada mágica....
Finalmente, conseguira amanhecer, depois de uma longa escuridão.
Assim como as estações, somos um milagre...

(Raiblue)

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